A Rússia sem clichês: não era nada do que eu estava esperando
Era só a gente dizer que ia viajar pra Rússia que alguém vinha com alguma história estranha pra contar – normalmente envolvendo falta de simpatia ou falta de segurança. O friozinho na barriga, que já é normal antes de qualquer viagem, só fazia aumentar.

Mas estávamos decididos com o roteiro de viagem e eu contava os dias para realizar o sonho de ver de pertinho a Praça Vermelha e o palácio de Peterhof. Depois de escutar todas aquelas histórias, entramos no avião já conformados com algumas premissas:
- Na Rússia faz muito frio
- Russos são antipáticos
- A língua é impossível de decifrar
- Russos bebem vodka
- A Rússia é homofóbica
- As cidades são perigosas
Mas foi só desembarcar em Moscou para descobrir que a Rússia era tudo o que a gente sonhava e, ao mesmo tempo, muito diferente do que a gente esperava.

Não pegamos frio nenhum
As surpresas começaram pelo clima – depois de duas semanas passando o maior frio na Alemanha, a Rússia nos recebeu no mês de maio com confortáveis 20 graus e um belo céu azul.
O verão ainda não tinha chegado, mas em São Petersburgo o calor era tanto que eu só andava de camiseta e tomava picolé todo dia! Sem brincadeira: eu voltei para casa super bronzeada. “Passou as férias em Búzios?” – as pessoas me perguntavam e depois ficavam espantadas com a resposta :D

Em Moscou fazia um pouquinho mais de frio no fim da tarde e a gente usava jaqueta ou suéter… Mas realmente demos sorte com o tempo!
Os russos foram simpáticos
A parte da antipatia também não durou muito. Teve russo oferecendo ajuda pra entender o mapa quando estávamos perdidos numa estação gigante de metrô, teve família achando graça da gente fazendo mil gestos para pedir sanduíches no Subway… Ganhei até parabéns quando acertei o tamanho do pão! “Bolshoi”, eu pedi, tendo aprendido que o nome do famoso teatro de Moscou significava “grande” :D
E teve inclusive quem conseguisse ter um diálogo relativamente completo com a gente, mesmo sem falar uma única palavra em outra língua. Como a senhorinha no Convento de Novodevichy, que falou um tempão até a gente entender que o pai dela tinha sido piloto na Primeira Guerra Mundial!

Tudo bem que eles não são o povo mais sorridente do mundo, mas se isso tudo não é simpatia, não sei o que é. E isso prova também que a comunicação é possível mesmo sem encontrar quem fale inglês.
É possível decifrar a língua
O 3º mito a cair foi justamente esse: dá pra decifrar a língua, sim. Eu e Guilherme dividimos as tarefas – ele assistiu vídeos no Youtube para aprender frases básicas e eu decorei os fonemas de cada letra no alfabeto cirílico. Não tem mistério: toda criança que já teve um “código” para escrever no diário ou desvendar mistérios vai tirar de letra!

Com a simples transliteração, já dava para ler placas de metrô, embalagem de produtos no supermercado e várias outras coisinhas, como “restaurante”, “supermarket” e café “expresso” :) Depois de alguns dias, nosso vocabulário já incluía muitas novas palavras, de tanto vê-las nos cardápios e placas (veja dicas de como se virar em russo).
Cerveja é mais popular que vodka
E foi vendo os cardápios que reparamos em outro clichê russo que já caducou: russos não bebem tanta vodka assim. Um conhecido tinha ido para Moscou a trabalho e contou que foi compelido a beber vodka às 10h da manhã (lhe disseram que era grosseria recusar).
Leia também: Por que a gente viaja para lugares estranhos?

Mas nos bares quase não encontrávamos a bebida no menu e, para todo canto que olhávamos, só víamos gente com copos e garrafas de cerveja. Pior: em vários cafés, a vodka disponível era Absolut. Ora bolas… fui daqui até a Rússia para tomar vodka sueca!?
Perguntamos para a Nastia, uma jovem russa que trabalhava no nosso hostel, e pelo que ela explicou a vodka russa é que nem a cachaça brasileira. É uma bebida que a gente oferece para os turistas, mas que na verdade é mais popular nas cidades de interior. E, assim como acontece aqui, os mais velhos ainda costumam tomar, mas os jovens em geral só usam para fazer drinks.

Sobre a homofobia na Rússia
Esse é um tema super complicado, e todo mundo já viu vários documentários e vídeos com câmeras secretas mostrando cenas de intolerância. Obviamente, a nossa viagem foi uma experiência curta para chegar a qualquer tipo de conclusão definitiva, mas o que observamos não foi nada muito diferente de outras capitais do mundo.
Em Moscou e São Petersburgo vimos pessoas do mesmo sexo demonstrando afeto, andando de mão dada, tudo normal. No parque, no metrô, nos cafés. Ninguém pareceu interferir, ou sequer dar muita atenção.

Também conversei com a Nastia sobre a “lei anti-gay”, que tinha causado a maior repercussão no Brasil quando foi aprovada, em 2013. Ela ouviu falar da lei, mas disse que não percebeu muita diferença e que os amigos gays continuavam a viver suas vidas exatamente da mesma forma.
O que ela contou é que as amigas lésbicas que moram em cidades pequenas têm mais dificuldade para sair do armário, pois o ambiente é mais provinciano e conservador. Acho que isso também acontece no Brasil, né?

Nos sentimos bastante seguros
Por último, a questão da segurança. Circulamos ao redor das atrações e passamos também por outros trechos menos turísticos, mas em momento algum tivemos qualquer constrangimento, mesmo segurando câmera, consultando mapa e fazendo cara de gringo.
Ficamos atentos a bolsas e mochilas (especialmente nos horários de pico do metrô) e teve um carinha que veio abordar a gente perto da Praça Vermelha com todo jeito de golpe de turista, mas não demos conversa e pronto.
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Em São Petersburgo, descemos do passeio de barco às 3h da madrugada e voltamos a pé até o hostel sem nenhum susto, maior tranquilidade.
De onde vêm os preconceitos?
A impressão que eu tenho é que a imagem da Rússia entre os brasileiros é muito marcada por dois aspectos: a ideia hollywoodiana de que eles eram os vilões da Guerra Fria e o fato de estarem sob o mesmo rótulo de “economia emergente” que o Brasil, como parte dos BRICs.
Acontece que viajar pela Rússia faz a gente ver o país com outros olhos.

Primeiro porque é bem legal ver a história da Guerra Fria sendo contada pelo lado deles (o Museu da Cosmonáutica é o lugar perfeito para perceber isso).
Ninguém acha nada demais os EUA se orgulharem tanto da NASA – ora, a corrida espacial era igualmente importante para os russos e eles também tiveram um papel importante na evolução tecnológica decorrente disso.

Depois, porque jogar a Rússia no mesmo saco que o Brasil significa esquecer que eles já foram um império grande, rico e poderoso. Mas logo nas primeiras horas da viagem os palácios maravilhosos e as linhas de metrô bem desenvolvidas servem de lembrete de que a Rússia tem uma imensa bagagem do passado enquanto nós estamos aqui eternamente na condição de “país do futuro”.
A Rússia nos impressionou muito. Voltamos completamente apaixonados. Saímos daqui prontos para encontrar um país frio e conhecemos cidades lindas, bem cuidadas, com transporte eficiente, arquitetura monumental, atrações interessantíssimas e pessoas prestativas. Que bom que fomos de coração de aberto! Mas, afinal, não é para isso que a gente viaja? :)