Bailarina: o mural de Eduardo Kobra em Moscou
Inspirado em uma cena do ballet Lago dos Cisnes, o mural criado por Eduardo Kobra em Moscou é um dos trabalhos de street art mais bonitos que já vi.
O grafiteiro paulista, que roda o mundo colorindo personagens que marcaram a história de cada lugar, escolheu Maya Plisetskaya para homenagear em sua primeira viagem à Rússia.
Maya Plisetskaya, diva do ballet russo
Maya Plisetskaya foi um dos principais nomes do ballet russo – atuou como dançarina, coreógrafa, diretora – e ficou conhecida não só pela técnica, mas também pelo carisma e pela forte personalidade na interpretação dos papeis.
Viveu até os 90 anos e foi um dos poucos personagens históricos das obras de Kobra a ser retratada ainda em vida.
O mural fica pertinho do Teatro Bolshoi, onde ela conquistou o título de “prima ballerina assoluta” em 1960. O movimento delicado e preciso da bailarina ficou ainda mais hipnotizante com as cores e as texturas geométricas que se tornaram assinatura do Kobra.
A cena mostra Maya Plisetskaya interpretando Odette no 4º ato do Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. Esse foi um dos grandes papéis de sua carreira, e incorporou a influência do solo A Morte do Cisne, originalmente coreografado para Anna Pavlova na virada do século 20, e também dançado por ela centenas de vezes ao longo dos anos (apesar da coincidência do nome, o solo não faz parte da peça de Tchaikovsky).
Kobra e o caleidoscópio de cores vibrantes
Realizado em outubro de 2013 com o apoio do artista Agnaldo Brito, que trabalha com Eduardo no Studio Kobra, o mural da bailarina apresenta os elementos recorrentes da série de retratos de figuras históricas.
O arco-íris e as formas geométricas fragmentadas se encontram com a elegante figura de Maya numa composição rica e cheia de movimento.
A ideia de retratar Maya no Lago dos Cisnes surgiu depois de algumas visitas a bibliotecas e livrarias russas: “Eu não trouxe uma imagem pronta do Brasil. Em cada lugar por onde passo, procuro fazer uma pesquisa para encontrar imagens que contenham a história do lugar, personalidades do lugar. Encontramos a foto da Maya no Museu do Teatro Bolshoi” (via Russia Beyond).
A partir da pesquisa, começam os estudos para entender qual imagem se adapta melhor às medidas do painel, além dos testes de desenho e de cores. Com o projeto traçado, toda a pintura é feita à mão, sem projetor ou outro suporte.
“Curto livros antigos, fotos históricas, e gosto de fazer releituras deste tipo de imagem. Os coloridos surgiram da necessidade de dar mais vida a estas cenas que geralmente eram registradas em preto e branco ou sépia, então passei a dar outras dimensões às imagens” (via Sputnik News).
Claro que a estética pop que me chama a atenção – vocês sabem que eu sou fã de arte moderna – mas o processo criativo e a valorização da história e da cultura local me fazem gostar ainda mais do mural ♥
A obra fica na lateral do prédio nº 16 na rua Bolshaya Dmitrovka, a 10 minutos da estação de metrô Kuznetsky Most (e com o Museu do Arcade de Moscou no meio do caminho! Imperdível!). As estações Teatralnaya ou Pushkinskaya também servem, ficam praticamente à mesma distância.
Street art na Rússia
O convite recebido por Kobra para fazer um mural tão grande em um distrito nobre e histórico, que reúne quase 20 teatros tradicionais de Moscou, mostra como a Rússia está mudando seu jeito de lidar com a street art.
Graffiti até pouco tempo atrás era uma prática mal vista e, embora eu tenha encontrado alguns murais bem legais na última viagem, ainda cheguei a ver vestígios de intervenções apagadas pela polícia.
O cenário está se transformando com iniciativas como o “Artside Street Art Moscow Festival” sediado na fábrica Red October em 2014, e a criação do Museu de Street Art de São Petersburgo, cujos organizadores ajudaram a viabilizar a ida de Kobra para a Rússia.
Hoje está lá em Moscou um mural de 160 m² em pleno distrito Tverskoy, entre prédios de arquitetura clássica, celebrando ícones da cultura russa de um jeito bem contemporâneo.
Talvez por retratar uma personagem tão querida como Maya Plisetskaya, o mural da bailarina parece ter sido bem recebido pelos locais :)
Free Ana: a arte rebelde e efêmera
Antes de ir embora da Rússia, Kobra ainda passou pelo bairro Mendeleevskaya – em que um beco entre prédios residenciais esconde onde o “grafite raiz” acontece em Moscou.
Ele, que já criou uma série de murais de manifestação por causas ambientais, fez ali no beco o desenho de um urso polar com a mensagem “Free Ana” – em apoio à bióloga gaúcha Ana Paula Maciel.
Ana era parte do grupo de ativistas presos por 2 meses no norte da Rússia após uma ação de protesto do Greenpeace em uma plataforma de petróleo na região do Ártico.
Como é natural da arte de rua, o urso já não está mais lá. A fila em Mendeleevskaya anda mais rápido que em Tverskoy…
A cultura e a arquitetura russa
Os projetos criados por Kobra em Moscou deixaram pouco tempo para o turismo, mas ele ao menos teve chance de visitar a Catedral de Cristo Salvador e a Catedral de São Basílio – que, como era de se esperar, conquistou o coração de quem uma relação tão forte com as cores :)
“Foi maravilhosa a forma como fui recebido em Moscou e São Petersburgo. O tempo todo fiquei impressionado com a força da cultura russa”, ele comentou ao divulgar os murais feitos na viagem.
Escadaria das Bailarinas em São Paulo
O ballet também apareceu nas cores de Kobra em dois projetos aqui no Brasil: a menina bailarina em Paraisópolis em 2015, e a Escadaria das Bailarinas em Pinheiros, em 2018. Porque se tem uma coisa que Kobra gosta mais que homenagear personalidades históricas, é compartilhar histórias de pessoas que têm um significado forte para a comunidade da cidade.
E na escadaria de Pinheiros a gente vê as duas coisas – as meninas do Ballet Paraisópolis retratadas ali estão ao lado de duas grandes inspirações: a reprodução da escultura do artista francês Edgar Degas e a icônica cena do Lago dos Cines, vinda lá de Moscou ♥
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