Coleção Peggy Guggenheim: arte na casa mais bonita de Veneza
Para quem curte arte moderna, visitar a Coleção Peggy Guggenheim em Veneza é como visitar uma amiga. Uma amiga rica e diva, ok, daquelas que só conhecem gente bacana.
O clima do museu é uma delícia, a começar pelo jardim onde fica a bilheteria, que tem instalações de arte até entre as plantas. Ao entrar na casa, a mesa de jantar e o sofá fazem a gente lembrar que Peggy realmente morou ali, o que torna o lugar ainda mais especial.
A coleção cobre quase todos os movimentos e fases da arte moderna, com obras de Picasso a Magritte. E o mais incrível é pensar que ela conheceu e foi amiga de muitos deles. Fiquei pensando em quantos artistas foram visitá-la ali, quantos papos legais devem ter rolado naquela casa.
Peggy Guggenheim não era simplesmente uma colecionadora, ela gostava de incentivar novos artistas e comprou muitas daquelas obras para dar uma força aos amigos talentosos – como uns tais Marcel Duchamp e Piet Mondrian, já ouviu falar? :D
As janelas da casa são quase uma obra de arte em si, com as grades de ferro servindo de moldura para a vista maravilhosa do Grand Canal.
Uma das partes mais fantásticas da visita (e que todos os outros museus do mundo deviam copiar!) são as sessões 10 Minutes Talk: apresentações de 10 minutinhos que eles fazem a cada dia sobre um tema diferente, apresentando a trajetória dos artistas em exposição na casa.
Essas mini-visitas guiadas não são nada formais, são simplesmente um bate papo com algum estudante de arte que estagia no museu, mas aqueles 10 minutos são capazes de mudar a forma como você olha para os quadros.
As sessões acontecem todos os dias às 12h e às 16h sobre Peggy, às 11h e às 17h sobre uma das peças e às 15h30 sobre a exposição temporária em cartaz.
Nós pegamos um sobre Kandinsky e outro sobre a vida da própria Peggy Guggenheim, uma história bem interessante que se mistura à própria história da arte. Nossa guia nos contou tudo sobre os 2 casamentos de Peggy, e nem tudo sobre os seus muitos casos de amor…
Pelo sobrenome já dá pra saber que ela era parente do Solomon Guggenheim – aquele dos museus de Nova York e de Bilbao. Mas ela quase não teve contato com o tio, nem conseguiu usufruir da fortuna da família depois que seu pai morreu no naufrágio do Titanic :o (era aquele personagem que se vestiu elegantemente para o jantar, mesmo sabendo que o navio estava afundando).
Maior parte das amizades (e dos amores) surgiram no período em que ela morou em Paris. Era a década de 20 e Paris era uma festa, um grade ponto de encontro para escritores e artistas da época. Peggy estudava história da arte quando conheceu seu primeiro marido, Laurence Vail, pintor e poeta frances.
Ele teve forte influência no gosto que Peggy passou a ter pela arte moderna e a ajudou a montar as primeiras exposições na galeria que ela abriu em Londres em 1938. Ela chegou a pensar em fundar um museu, mas os planos foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial :/
O dinheiro que já tinha sido levantado para o museu foi usado para ampliar sua coleção (especialmente porque, em tempos de guerra, obras de arte eram baratas) mas, como Peggy era judia, percebeu logo que precisava sair da Europa e voltou a morar nos Estados Unidos.
Em Nova York ela abriu sua segunda galeria: Art of This Century, por onde passaram Salvador Dalí, Georges Braque e Joan Miró, além artistas em início de carreira a quem ela deu um “empurrãozinho”, como Jackson Pollock e muitos outros que hoje são consagrados.
Quando resolveu se mudar novamente para a Europa, em 1947, Peggy se apaixonou perdidamente por Veneza e escolheu o Palazzo Venier dei Leoni para viver pelo resto da vida. Se você reparar, vai ver que esse palácio é mais baixo que os outros à margem do Grand Canal.
A construção de 1750 nunca foi concluída e ele ficou assim inacabado, com apenas 1 andar em vez dos 3 que estavam no projeto de 2 séculos antes. Pessoalmente, acho que ter a casa toda no mesmo nível do jardim acaba sendo um charme a mais.
Peggy foi uma das últimas personalidades de Veneza a ter um gondoleiro particular e chegava em casa sempre pela porta que dá para o canal. A escultura vermelha de Alexander Calder, que fica ali no terraço, faz um contraste lindo com a água.
Nos 30 anos que passou ali, ela mesma começou a transformar o palacete em museu: quando chegava o verão, a socialite abria sua casa ao público 3 vezes por semana. A coleção fazia sucesso entre os fãs do modernismo, especialmente porque ela juntou também um acervo de arte americana como poucos na Europa.
A visita é um aprendizado tão íntimo sobre a vida de Peggy Guggenheim que no final chega a ser emocionante ver a lápide no jardim, ao lado de seus 14 (!!) cachorrinhos, que ela chama de “beloved babies” na placa de homenagem.
Peggy doou toda a sua coleção à fundação do tio Guggenheim, mas com a condição de que as obras permanecessem em Veneza. Não só eles mantiveram tudo lá como levaram também as coleções Gianni Mattioli e Schulhof – que têm obras dos meus queridinhos Frank Stella e Andy Warhol ♥
Para chegar na Coleção Peggy Guggenheim, você pode pegar o vaporetto 1 ou 2 (parada Accademia ou Salute) ou simplesmente ir a pé. Uma ideia legal para completar o passeio é visitar a igreja Santa Maria della Salute, que fica desse mesmo lado de Veneza. Se der, tente chegar lá por volta das 15h para ouvir os órgãos tocando.
É uma delícia sentar na escadaria da igreja e ver o movimento do Grand Canal, com o Campanário de San Marco na paisagem :)
Acho que Peggy teria orgulho em saber que aquela casa-museu é hoje uma das coisas mais fantásticas da cidade que ela amava. As cores modernas dos amigos dela fazem Veneza ainda mais bonita.