Leuven, a Bélgica que não fala francês
No coração da Flandres, a trinta minutos de Bruxelas, encontramos Leuven, um dos segredos menos bem guardados da Bélgica. Uma cidade histórica, mas jovem, sob alicerces de arquitectura imponente, pontuada com um arrojado investimento na arte contemporânea.
Leuven é a Coimbra da Bélgica. Uma cidade universitária com uma população jovem que enriquece os cerca de cem mil habitantes que nela vivem.
Situada nos arredores de Bruxelas, é um destino ótimo para aqueles que desejam afastar-se da confusão da capital, sem perder as regalias da urbanidade. É, em sua gênese, um local de passagem, mas também uma cidade que convida os viajantes a explorarem o aroma autêntico da Flandres Belga.
Vestígios da história medieval
Fundada quando os anos ainda não tinham 4 dígitos, em 891, Leuven foi o palco de uma batalha ainda hoje badalada nos ecos do tempo. Foi lá que o Rei Arnulf da Carinthia derrotou um exército Viking. Batalha essa que é relembrada no vermelho e branco da sua bandeira, em memória do sangue derramado nas margens do Rio Dijle que banha a cidade.
Os anos áureos da cidade ocorreram entre os séculos XI e XIV, quando era um dos principais centros de comércio da velha Flandres. Hoje, ainda é possível ver alguns resquícios desses tempos no Parque de Sint-Donatus, onde são bem visíveis as ruínas das antigas muralhas de Leuven.
Um espaço de lazer, onde, num bom dia, somos transportados para a glória medieval de uma das cidades mais antigas da Bélgica. O espaço ideal para uma pausa, acompanhada por aquele livro de Game of Thrones que não consegues parar de ler.
Town Hall, um cartão postal de Leuven
Ao contrário do que seria de esperar numa cidade com tanta história, o principal atractivo não é a icónica Igreja de São Pedro, de estilo gótico, situada no centro de Leuven, mas sim a sua câmara municipal.
A Town Hall de Leuven fica mesmo em frente à igreja, na praça de Grote Markt. É um edifício imponente, também ele de estilo Gótico, construído no século XV.
Com suas paredes ornamentadas em detalhes como o mais refinado bordado, é um ponto imperdível para qualquer viajante que por ali acabe por se encontrar.
Este edifício é um exemplo de perseverança. Sobreviveu à morte de diversos arquitectos e projectistas envolvidos na sua construção, e à destruição que ele próprio sofreu durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, assim como a maioria dos edifícios históricos da cidade. Apenas em 1983 é que as obras de restauro ficaram completas.
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A biblioteca que virou cabo-de-guerra
Outra paragem obrigatória é a Biblioteca da Universidade Católica, situada na praça Monseigneur Ladeuzeplein. Caracterizada pela arquitectura da Renascença Flamenga, precisou ser reconstruída na década de 1920, após ter sido severamente danificada na Primeira Guerra Mundial.
O arquiteto da obra, americano, chegou a propor que fosse gravada na fachada uma provocação aos inimigos de guerra: “Furore Teutonico Diruta: Dono Americano Restituta” (destruída pela fúria alemã, reconstruída pela generosidade americana). Embora a ideia tenha sido vetada pelo reitor, o slogan foi muito usado na época e o prédio tem vários símbolos em referência aos EUA.
Com mais de 300 mil livros perdidos na guerra, a biblioteca precisou de doações dos quatro cantos do mundo para refazer seu acervo. Infelizmente, tudo foi novamente destruído com a segunda invasão alemã, em 1940.
Mais uma vez restaurada no pós-guerra, desde 1970 as colecções desta biblioteca foram dividas quando houve a cisão da Universidade em duas – a Université Catholique de Louvain, de língua francesa, e a Katholieke Universiteit Leuven, cujo idioma oficial é o neerlandês. Um perfeito exemplo da divisão cultural e linguística que divide a Bélgica há séculos.
Je ne suis pas Louvain
Fluentes em francês? De pouco ou nada lhes servirá. Se precisarem de alguma ajuda, o melhor será abordar as pessoas em inglês, ou até mesmo em português, devido à vasta comunidade lusitana e brasileira que habita na cidade.
A comida belga deixa também algo a desejar, baseada essencialmente em carnes fritas. Aconselho que dêem um salto ao Fado, um restaurante português onde, além de serem bem acolhidos, podem experimentar a melhor carne de porco à Alentejana que alguma vez comi. Talvez fosse a fome ou as saudades de casa a falarem mais alto, mas até hoje mantenho este prato como um dos meus preferidos.
Música e arte contemporânea
Os amantes de arte contemporânea não vão ficar desapontados com o Museum Leuven, também conhecido apenas por “M”. Inaugurado há uns 5 ou 6 anos apenas, o museu tem uma colecção de 46 mil obras que vão desde pinturas e esculturas góticas, até artistas locais contemporâneos, como Jan Rombouts I e Josse van der Baren.
O espólio do “M” possui também esculturas de vários mestres flamengos como Constantin Meunier, Jef Lambeaux e George Minne.
É também comum encontrarmos por lá exposições de arte moderna, instalações de artistas conceituados, happenings e flash mobs inesperadas que dão ares, numa escala muito menor, de centros culturais londrinos ou de Nova York.
Porém nada se compara ao besouro atravessado por uma lança em frente à Biblioteca. Completamente destoante da arquitetura da cidade, o monumento batizado simplesmente como “Totem” foi criado pelo artista belga Jan Fabre em 2005 para celebrar os 575 anos da Universidade Católica.
Diz ele que a obra simboliza o que a arte e a ciência têm em comum: as duas exigem imaginação. Talvez este seja o ingrediente secreto para compreender o totem.
Os amantes da música talvez queiram visitar Leuven em agosto. Nessa altura do ano é organizado o Festival Marktrock, no coração da cidade universitária. O Marktrock, já com 24 edições, é um dos maiores festivais de música da Europa, com mais de 350 mil visitantes todos os anos.
Leuven é uma cidade jovem, que não descura o investimento em eventos culturais. Dão muito destaque ao conceito de praça, sendo difícil encontrar alguma rua vazia.
Durante o verão é aconselhável parar numa das inúmeras esplanadas para provar a enorme variedade de cerveja belga à disposição – algumas das mais famosas são a Chimay, a Westemalle ou a própria Stella Artois, produzida ali mesmo em Leuven. É uma cidade perfeita para conhecer a pé, com uma máquina fotográfica ao pescoço.
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