Desvendando os mistérios da Ilha de Páscoa
Toda criança sonha em ser algo extraordinário: esportista campeão mundial, príncipe ou princesa, cientista descobridor da cura do câncer, astronauta. Eu sonhei ser arqueólogo. Culpa dos filmes de Indiana Jones. E durante muito tempo li sobre os grandes mistérios da humanidade, como caveiras de cristal, civilizações perdidas, pirâmides etc. Um dos mistérios que mais me fascinavam era a Ilha de Páscoa e seus Moais imponentes, cuja origem sempre foi alvo de teorias fantásticas – será que são mesmo obras de extraterrestres?
Como tantos sonhos de criança, a vontade de ser Indiana Jones ficou no passado, mas não a vontade de conhecer Rapa Nui, ou o “umbigo do mundo”, e foi o que fiz no último Carnaval.
Como chegar
A ilha é um dos locais mais isolados do mundo. Está a 3.700 km da costa chilena, país a qual pertence, e 4.100 km do Taiti. Não à toa o aeroporto de Mataveri também serve de escala para quem quer aproveitar os encantos da polinésia francesa. Para chegar a Rapa Nui eu embarquei num voo da Lan, do Galeão, no Rio de Janeiro, até Santiago. Eu escolhi um voo bem cedo de Santiago para a Ilha de Páscoa e, como queria descansar ao máximo na noite anterior, optei por dormir no Hotel Holiday Inn – Airport Terminal. Embora não seja barato é em frente ao aeroporto e muito confortável. Consegui jantar e dormir bem para a maratona do dia seguinte, pois de Santiago a Rapa Nui são quase cinco horas de voo.
O aeroporto de Mataveri, embora tenha uma área de embarque e desembarque muito pequena, é o que tem a segunda maior pista do mundo, atrás do aeroporto de Melbourne, na Austrália. A pista foi construída pelos americanos, que a usavam para o transporte de equipamentos aeroespaciais. Chegando ao aeroporto, pague logo os ingressos para a entrada ao Parque Nacional no guichê turístico antes da área de entrega das bagagens. A entrada é fundamental para visitar os vulcões de Rano Raraku, onde os Moais eram esculpidos, e Rano Kau, onde se encontram vestígios do ritual do homem pássaro.
Cada ticket pode receber no máximo dois carimbos, que podem ser usados um em cada vulcão ou dois no mesmo vulcão, à escolha do viajante. Estrangeiros pagam US$ 60 dólares por ticket ou 30 mil pesos chilenos e junto com o ticket é entregue um mapa de toda a ilha, indicando os sítios arqueológicos. Salvo esses dois locais, e o museu Padre Sebástian, todos os outros sítios arqueológicos são gratuitos e estão espalhados por toda a ilha.
Após pesquisar no Trip Advisor, escolhi o Tupa Hotel que oferece o transfer ida e volta ao aeroporto e nos recepciona com o tradicional e simpático colar de flores polinésio. Pelo que pude perceber, todos os hotéis são estilo pousada, portanto não espere muito luxo. O Tupa não tem ar condicionado nem televisão nos quartos e acredito que condicionadores de ar sejam muito raros na ilha, pois a energia do local é obtida a partir de geradores a diesel, caríssima, portanto. Em compensação tem vista para o oceano e acordar vendo aquele mar sem fim não tem preço.
Tanto pousadas, quanto mercados e restaurantes se concentram na ‘cidade’ da Hanga Roa, onde mora 90% da população. O lugar é uma ilha, certo? Então não se assuste com os preços de alimentação praticados por lá. Uma água chega a custar o equivalente a R$ 8 e um sanduíche com refri facilmente sai por R$ 50.
Hanga Roa pode ser conhecida a pé, mas para ir a outros locais é necessário contratar um passeio ou mesmo alugar um carro, o que pode ser feito no aeroporto. Acho que só há um posto de gasolina na cidade, porém.
Passeios e curiosidades
Seja qual hotel você escolher, acredito que vale a pena se informar sobre os passeios pela ilha e contratá-los. As lendas e cultura são riquíssimas e um guia local é indispensável para explicar o significado de cada Moai. Eles estão por toda ilha, espalhados, alguns deitados, outros de pé. Se o visitante preferir ir de carro sozinho, a ilha é bem sinalizada e com o mapa é impossível se perder. Mas o encanto de ouvir as lendas locais se perde.
Os mais impressionantes são os sítios de Tahai (que pode ser visitada a pé, pois fica perto de Hanga Roa, bem atrás do museu); os vulcões Rano Kau e Rano Raraku; os Ahu Akivi (únicos Moais voltados para o mar), e Anakena (que, junto com Hanga Roa, é uma das únicas praias seguras para banhistas). Por fim, não se pode deixar de conhecer o Ahu Tongariki, com seus 15 Moai restaurados em cima de uma plataforma de 200 metros.
Ao contrário do que eu imaginava, não há nenhuma lenda sobre a suposta influência alienígena na criação dos Moais. As histórias contadas pela população local dizem que os polinésios que viviam numa ilha chamada Hiva, que estava afundando, começaram a buscar alternativas para sobreviver e nessas navegações chegaram a Rapa Nui. Logo a chamaram de Tepito O Te Kainga, o útero do mundo, pois segundo lendas tradicionais, o deus criador polinésio Make-Make criou o mundo a partir de uma ilha, que os navegadores julgavam terem encontrados em Rapa Nui. Ao longo do tempo, a Ilha de Páscoa teve diversos outros apelidos: além de Rapa Nui (Ilha Grande) e Te Pito O Te Henúa (umbigo do mundo), também foi chamada Mata Ki Te Rangi (olhos fixos no céu) e, nos idos do século XV, Ilha de São Carlos, em homenagem ao rei espanhol Carlos III.
Ainda segundo as tradições orais, os Moais foram feitos em homenagem aos antepassados. Cada clã tinha um Ahu (plataforma de pedra) onde colocava os Moais que representavam os ancestrais mais famosos. As estátuas eram todas talhadas diretamente na pedreira de Rano Raraku e transportadas pelas ilhas em toras de palmeiras. Aliás, uma das teorias para o fim da civilização responsável pelos Moais foi o desastre ambiental que se seguiu à devastação da vegetação local. Interessante notar que só estão de pé os Moais que foram restaurados. Todos os outros estão deitados com o rosto no chão – e isso foi proposital.
A lenda popular conta que houve diversos conflitos no século XVII e uma das formas de submeter o clã vencido era derrubar os Moais daquela família. Ao todo já foram catalogados 887 Moais, entre os que estão na Ilha e os que estão espalhados pelo mundo, em lugares como Chile continental, EUA e França. Agora a prefeitura da Ilha de Páscoa está trabalhando para que todos os Moais que estão fora da Ilha retornem a seu lugar de origem (será que o Museu de História Natural perderá um de seus personagens mais famosos?!).
O culto ao homem pássaro
Após o ocaso da civilização Rapa Nui, que construiu os Moais, a vida na ilha começou a se reestruturar. Os clãs iniciaram então uma competição para decidir, anualmente, quem seria o rei da ilha. O chefe de cada clã escolhia um competidor, e apenas os homens participavam. Eles se reuniam no topo do vulcão Rano Kau, no início da primavera, para começar a disputa, que incluia descer a encosta do vulcão e nadar até a ilha em frente para buscar um ovo de andorinha preta. O primeiro que voltasse com o ovo fazia do chefe de seu clã o homem-pássaro e passava a contar com regalias até a próxima primavera.
Como a competição podia durar semanas, foi construído o povoado de Orongo com suas casas de telhas baixas, onde só é possível entrar engatinhando. A razão é que assim seria mais difícil invadir em grupos as habitações dos adversários, mas a piada que é contada pelos guias é que as casas foram construídas pelas mulheres para obrigar os homens a entrar de joelhos em casa. Na região de Orongo, além das casinhas reconstruídas, é possível identificar petróglifos (FOTO) com as imagens utilizadas para contar a história do ritual. O culto ao homem pássaro se perpetuou até os idos de 1860, quando os missionários católicos começaram a colonizar a ilha.
Mistérios e cerveja
Embora não tenha ouvido falar de seres extraterrestres, a lenda de Hiva é muito interessante. Não há nenhuma prova científica que a ilha tenha mesmo existido – alguns inclusive acreditam que ela era parte do mítico continente da lenda de Hiva. Acreditando ou não em lendas, há pelo menos um artefato arqueológico para mim inexplicável. Ainda considerando que a população local pudesse ter feito tantas estátuas apenas lascando pedras, pelo menos uma única plataforma (Ahu) é idêntica aos muros construídos pelos incas.
Trata-se de Ahu Vinapu. As pedras desta plataforma estão cortadas e encaixadas de maneira impressionante, ao contrário de todas as outras plataformas na Ilha. Além disso, segundo o guia local, a datação do carbono 14 identificou essa plataforma como sendo 200 anos mais antiga que os muros incas! Certamente há muitos mistérios ainda não desvendados nessa história.
Mas talvez o feito mais extraordinário de todos seja o fato de o lugar mais isolado do mundo fabricar sua própria cerveja. A cervejaria Mahina produz lá mesmo os estilos Pale Ale, bastante refrescante, e Porter, mais encorpada. Ao beber uma cerveja Mahina, avistando o pôr do sol da Ilha de frente para o Oceano Pacífico ou para um dos Moai, você será capaz de entender todos os mistérios do mundo. Se não acredita, pague para ver. A Ilha de Páscoa e suas lendas lhe esperam.