A Casa Rosada é colorida por dentro
Quando viajei para Buenos Aires com as minhas amigas, fomos conhecer a Casa Rosada, de onde a presidente Cristina Kirchner toma tantas decisões controversas. Se pelo lado de fora é cor-de-rosa, por dentro a sede do governo da Argentina tem salões e pátios de todas as cores.
A visita guiada é grátis, com senha distribuída por ordem de chegada, e nos leva para conhecer a parte mais cerimonial do prédio, onde acontecem eventos e assinaturas de acordos, enquanto a parte administrativa é fechada ao público. Um dos primeiros cômodos visitados é a Galeria de Patriotas Latinoamericanos, que tem imagens de grandes líderes do continente – de Che Guevara a Getúlio Vargas.
Boa parte do luxo que se vê foi presente diplomático de outros países, como as escadas de mármore – uma dada pela Itália e a outra pela França. A Espanha foi mais esperta e deu logo um elevador :P Mas há também muitos móveis antigos, lustres elegantes e pinturas de grandes artistas argentinos em todo o palácio, que às vezes mais parece um museu.
Talvez as obras mais famosas da casa sejam as de Ricardo Carpani, que usava cores fortes e um estilo único para abordar temas sociais em seus quadros. Trabalhadores de braços fortes e cavalos gaúchos mostram as tensões da militância popular, sobretudo nos anos 60.
Também é interessante ver o estilo do início do século no grande salão azul, com pinturas feitas no Centenário da Independência Argentina, relembrando a Revolução de Maio de 1810.
Cruzamos o Pátio das Palmeiras com seu piso de mosaicos, e depois passamos pelo Salón de los Centíficos, que tem retratos dos três cientistas do país que receberam o Prêmio Nobel, e o Salón de la Mujer, que homenageia as mulheres argentinas que fizeram história, de onde a presidente faz discursos e dá entrevistas coletivas.
O percurso continua pelo Salón Blanco, decorado com uma pintura no teto também em memória da Revolução de Mayo, e enfim chegamos à Galeria de Ídolos Populares, com retratos de artistas, atletas (jogadores de futebol, claro) e outras grandes personalidades nacionais. Mas nenhuma celebridade argentina se compara a ela: Evita.
Ao passear pela Casa Rosada a imagem de Evita Perón é inescapável. O carisma da primeira-dama mudou a história da Argentina na década de 40 e ainda hoje sua popularidade é tão grande que há fotos dela espalhadas por todo lado, com direito a maquete do prédio que tem seu rosto desenhado na fachada e uma ampliação da nota de 100 pesos, em que Evita passou a figurar em 2012, no lugar da efígie do ex-presidente Julio Roca. Em uma das salas, há até uma redoma que exibe o vestido de poá vermelho que imortalizou o estilo de Evita.
Mas o grande momento da visita é quando a gente chega na varanda de onde Evita fazia seus discursos para os descamisados. A paisagem da Plaza de Mayo é bem legal, dá para ver os prédios históricos, a Catedral e o início da Avenida de Mayo, que leva até o outro centro de poder, a Praça do Congresso. Imagine uma multidão lá embaixo e acene para o público! A decisão de cantar “don’t cry for me Argentina” fica por sua conta :D
Agora… Se você em algum momento se perguntou o motivo da Casa de Governo argentina ser cor-de-rosa, há duas versões. A mais romântica diz que o presidente Sarmiento tinha a intenção de representar simbolicamente a união dos dois partidos que protagonizaram as guerras civis no início do século 19 – um usava o branco e o outro usava o vermelho. A versão mais desencantada é que esse era simplesmente o tom da mistura de cal com sangue de boi, muito usado na época para acabamentos externos porque durava mais, resistia à chuva e fixava bem nas paredes.
Aquele local sempre foi o centro do poder, mesmo antes da construção da Casa Rosada as autoridades espanholas governavam a partir do Forte que existia ali perto do porto (hoje, o revitalizado Puerto Madero). Como não poderia deixar de ser, a Plaza de Mayo é o centro nervoso das lutas políticas da Argentina. Todas as passeatas que percorrem a Avenida de Mayo culminam lá. E é lá também que, toda semana, há 30 anos, as Mães da Praça de Maio se reúnem para pedir pelo paradeiro de mais de 30 mil desaparecidos durante a ditadura militar no país.
Os veteranos da Guerra das Malvinas (que teve seu primeiro episódio em 1982) também vão à praça exigir maiores pensões. Em um dos canteiros, há cruzes brancas representando os soldados perdidos na batalha.
A Casa Rosada pode ser visitada somente nos fins de semana e feriados, das 10h às 18h. Os grupos em inglês saem a cada meia hora e em espanhol a cada 10 minutos. Nossa tática foi fazer uma dobradinha da Casa Rosada com a feira de San Telmo, que acontece aos domingos. Pegamos o primeiro horário da visita guiada e depois seguimos por entre as barraquinhas da Calle Defensa (rua que começa ali mesmo na Plaza de Mayo) até chegar à Plaza Dorrego, ponto alto da feira.
Você também pode aproveitar para visitar o Museu do Bicentenário, que abriu em 2011 para contar a história dos 200 anos desde a independência argentina. O museu fica na parte de trás da Casa Rosada, construído entre as ruínas do antigo forte que existia ali no período colonial, mas é todo moderninho e a exposição tem vários vídeos interessantes em meio a objetos de época. A entrada do museu também é grátis – dá pra fazer os dois passeios sem gastar um tostão para depois torrar tudo em San Telmo :)